Jared Isaacman pode salvar o Hubble de queimar na atmosfera

O bilionário-astronauta comandou duas missões espaciais e fez parte de um estudo junto à NASA para avaliar a viabilidade de missões de reparo e reboost do Hubble.

O presidente eleito Donald Trump anunciou hoje que o bilionário Jared Isaacman irá chefiar a NASA em seu segundo mandato. A indicação para o cargo é vista por muita gente no setor como uma mudança bastante positiva para a agência, que tem passado por transformações profundas ao longo dos últimos 15 anos.

Quem é Jared Isaacman?

Para aqueles que não o conhecem, Jared é um empresário americano que ficou bastante conhecido recentemente por suas participações em duas missões espaciais comerciais. A Inspiration4, realizada pela SpaceX em setembro de 2021, foi a primeira missão do tipo a não ter nenhum astronauta de um órgão governamental a bordo, ou seja, a primeira a ser elegível a receber o título de “primeira missão espacial (e orbital) privada da história”.

Não satisfeito em participar de uma única missão, Jared criou um programa espacial privado em conjunto com a SpaceX, chamado Polaris. Sua primeira missão, chamada Polaris Dawn, foi realizada em setembro de 2024, e atingiu a maior altitude de um voo tripulado desde o Programa Apollo. A missão também envolveu a realização da primeira caminhada espacial comercial da história, que envolveu a utilização de trajes de voo especiais desenvolvidos pela própria SpaceX.

Sua ocupação como astronauta é, no entanto, predatada por outras empreitadas bastante interessantes. Além de ser CEO da Shift4 Payments, Jared fundou uma empresa chamada Draken International em 2012, que é dedicada a treinar pilotos para as Forças Armadas dos Estados Unidos. Ele é também, assim como muitos astronautas, um piloto bastante qualificado, com experiência em múltiplas aeronaves.

Jared é, sem dúvidas, um sujeito muito interessante e com experiências bastante diversas e, ao meu ver, bastante alinhadas com o programa de voos tripulados da NASA.

A situação atual do Hubble

Ok, mas onde entra o Hubble nisso tudo?

O Telescópio Espacial Hubble foi colocado em órbita pelo Ônibus Espacial Discovery em abril de 1990. Desde então, o querido satélite passou por 5 missões de manutenção em 1993, 1997, 1999, 2002 e 2009. Essas missões foram responsáveis por estender a vida útil do telescópio ao reparar e instalar componentes e carregá-lo para órbitas mais altas, combatendo o efeito causado pelo mal que assola qualquer satélite na órbita baixa da Terra: o arrasto criado pela fina atmosfera ainda presente nestas regiões.

Já faz um bom tempo desde a última missão de manutenção, que aconteceu pouco tempo antes da aposentadoria do Ônibus Espacial. Hoje, o Hubble permanece em uma órbita com altitude de cerca de 500 km. Sujeito às severas condições de operação com ciclos de temperaturas extremas, radiação solar e impactos de micrometeoroides, múltiplos componentes falharam ou foram intencionalmente desligados para preservá-los ao longo dos últimos 15 anos.

Em junho deste ano, por exemplo, a NASA anunciou que passaria a operar com apenas um giroscópio. Estes componentes fazem parte do sistema responsável pelo controle de orientação do Hubble e fornecem informações importantes sobre a taxa de rotação do telescópio em torno de seus três eixos. O Hubble possui seis destes sensores e tipicamente opera com apenas três. Entretanto, é possível entrar em um modo de operação de contenção com apenas dois ou até apenas um giroscópio. A última missão de manutenção do Hubble realizou a troca dos seis giroscópios presentes no satélite. Mas, desde então, quatro deles falharam. E a NASA tomou a decisão de operar com apenas um deles por enquanto para que, caso haja mais uma falha, tenham um componente extra para usar.

Se espera que o Hubble possa operar até a metade da próxima década. E seu fim pode ser decretado não por uma falha crítica de um componente, mas sim por sua órbita, já que ele enfrenta um arrasto cada vez maior à medida que perde altitude. E para piorar, a NASA talvez precise enviar um módulo de propulsão capaz de ser acoplado a ele e de realizar uma queima de deórbita para garantir uma reentrada segura sobre o oceano. Ou seja, pagar para jogar o troço fora.

Então, resumindo: as coisas não estão fáceis para o Hubble. E a NASA sabe disso.

Por que não consertá-lo?

Em 2022 a agência anunciou que planejava estudar a possibilidade de usar a Crew Dragon para realizar um reboost no Hubble. Ou seja, realizar uma queima para colocá-lo em uma órbita mais alta. A agência assinou um acordo com a SpaceX para conduzir estudos aprofundados sobre a viabilidade de uma missão como essa. A proposta surgiu após a empresa e Jared Isaacman expressarem interesse na empreitada.

Uma missão como essa colocaria o satélite em uma altitude semelhante à que esteve no início de suas operações, cerca de 600 km. Isso ao menos adicionaria algum tempo extra à vida útil do Hubble, permitindo que a agência planejasse missões de reparo no futuro e seguisse fazendo observações com o telescópio, que continua gerando dados muito importantes para a astronomia.

Crew Dragon Endeavour durante partida da Estação Espacial Internacional. (Créditos da Imagem: NASA)

O estudo foi realizado ao longo dos seis meses acordados, mas as coisas não caminharam muito além disso. Mark Clampin, diretor da divisão de astrofísica da agência, disse em junho deste ano que a posição da NASA no momento era de não seguir com uma missão de reboost. O diretor expressou que há riscos significativos na operação do satélite caso algo desse errado durante uma missão como essa, como uma contaminação dos espelhos, por exemplo. Tomar este risco poderia comprometer diversas observações do satélite ao longo da próxima década de operação.

O alento que ficou para quem esperava ver algo assim é que ninguém descartou a possibilidade de realizar uma missão de reboost ou manutenção no futuro. E é aqui que o futuro administrador da NASA Jared Isaacman pode fazer uma grande diferença.

Jared pode salvar o Hubble?

O bilionário esteve envolvido diretamente com os estudos de viabilidade de uma missão de reboost/manutenção. E expressou em diversas ocasiões a visão de que há um limite de tempo claro para que a agência atue para salvar o Hubble de um fim ardente na atmosfera.

O novo mandato de Trump encontra condições bastante diferentes no setor espacial do que da última vez. Com a influência de ninguém menos que Elon Musk, que deve atuar no “Departamento de Eficiência Governamental”, a eficiência é, sem dúvidas, algo que será levado em consideração dentro da agência, especialmente por alguém diretamente envolvido com a SpaceX.

Como apontado por Jared, e por muitos outros, desenvolver, fabricar e lançar um novo satélite que opere em condições semelhantes às do Hubble custaria muito caro. Se já há hardware em órbita capaz de atender a comunidade acadêmica de forma satisfatória, por que não tentar consertá-lo? É claro que há um risco inerente em uma missão como essa, mas não há como negar que fazer ou não fazer isso é um ponto bastante debatível neste contexto.

Ao entrar no cargo hoje ocupado por Bill Nelson, que voou a bordo do Ônibus Espacial como Especialista de Carga em 1986, Jared estará na posição ideal para dar a melhor chance possível para uma missão como essa acontecer. E não há dúvidas que ele tem interesse em ir em busca deste objetivo.

De qualquer forma, fazer isso acontecer não é algo simples. O Telescópio Espacial Hubble foi totalmente desenvolvido para ser capturado e reparado em órbita pelo Ônibus Espacial, que contava com um compartimento de carga enorme, bastante capacidade de carga e um braço robótico extremamente útil. Portanto, para que um mero reboost com a Crew Dragon seja feito, diversos procedimentos precisariam ser completamente revistos.

Jared escreveu em um post de agradecimento à indicação ao cargo que “[…] o espaço possui um potencial incomparável para avanços em manufatura, biotecnologia, mineração e, talvez, até caminhos para novas fontes de energia. Inevitavelmente, haverá uma economia espacial próspera – uma que criará oportunidades para inúmeras pessoas viverem e trabalharem no espaço. Na NASA, perseguiremos essas possibilidades com paixão e inauguraremos uma era em que a humanidade se tornará uma verdadeira civilização exploradora do espaço.”, o que sugere sua inclinação a continuar (e talvez acelerar) a tendência da NASA em atuar em novas formas de fomentação do setor comercial espacial.

Como apontado por Scott Manley, um famoso YouTuber e comunicador científico, Jared Isaacman também possui uma profunda paixão pelo primeiro “A” que compõe a sigla NASA (National Aeronautics and Space Administration). O que, conjuntamente com seu interesse explícito no Hubble, nos sugere que ele não deixará de prestar atenção em todos os eixos de atuação da agência.

Gosto bastante do Jared e estou feliz pela escolha. Tenho minhas ressalvas sobre ter alguém tão próximo da SpaceX no cargo mais alto da NASA já que isso abre espaço para a agência deixar ser vista como um programa de estado e passar a ser vista como um programa de governo. Algo perigoso quando estamos falando de ciência e tecnologia de ponta. E, caso as coisas saiam do trilho no futuro, haverá motivos suficientes para criticar os esforços extremamente importantes para comercialização do espaço e que resultaram em diversos benefícios para a NASA e para o mundo.

De qualquer forma, uma coisa é certa: o futuro-não-tão-distante da exploração espacial será muito interessante.

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